sábado, 30 de agosto de 2014

Floração






Foto: Goethea cauliflora



apesar do sol, que me tira da cama
me põe uma rotina
me lança sem amor
na saída de sua presença
das palavras breves
do suspiro pleno
nesta ausência tua que nos sabe

no corpo e no delírio
na voz e no vento
seja como o derradeiro inverno
desfolhando verde novo
o broto, e a espera rompe o crivo
saber que está perto
é o meu único alento


quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Microcosmo

 
 


Foto:Umbela de cañaheja (Thapsia villosa)



Quando em vez fico cavando a origem dos sonhos,
o lugar que habita tão dentro de mim.
 
Procuro, fatigada e cansada
por não ter mais fim.
 
Mas então, quando longe da razão
chego a outro lugar, encontro-te enfim.
 
Onde outro Amado não mais traduz
senão as estrelas, todo o infinito, neste jardim. 

Juanito Laguna












Quando em viagem deixei a floresta úmida do litoral norte do Paraná e cruzei fronteira em Argentina, passando por suas montanhas de siete colores, pedras e aridez do caminho até adentrar a fronteira boliviana onde havia uma foto enquadrada de Evo Morales, como quem olha soberano, por sua feição indígena e com seus broches de comandante.  Num velho ônibus empoeirado, subimos uma daquelas consideradas a pior estrada do mundo, com um precipício à esquerda, a subida da cordilheira andina. Secura e ar empoeirado nas roupas coloridas das mamitas, llamas e construções de barro, cactos e pedras, até às alturas do Deserto de Sal em Uyuni. Uma paisagem de estranhamento pitoresco com seus flamingos, águas quentes e vulcões num chão de sal à perder-se de vista.
Lá onde, em outros tempos minerava-se ouro, um serrano caudal, o trem que levaria ao Lago Titicaca.
Através das águas salgadas do lago a 3800mts de altitude, chegaria à isla del sol que me acolheria por um ciclo de luas. Foi numa de suas praias desertas, onde só havia uma casa, uma escrivaninha onde dentro morava sozinho um exemplar espanhol amarelado da Odisséia de Homero, e a imensidão azul do lago mesclando-se com o céu. Lá onde um índio passava ao fim das tardes tocando seu saxofone a recolher a criação de ovelhas, nesta ilha conheci Juanito. Que poderia ser o personagem da música que me acompanhou por todo percurso, e enfim, se apresentar Juanito Laguna. Contou as histórias do lago e seus mistérios, as lendas e glórias. O ouro e o sol. O lago e as inundações. O povo seu massacre...
Mas agora de volta, Juanito soprado no vento da memória! Ele: Juanito Laguna. Meu amigo tecelão, a quem histórias eu dedico.

"Con el viento la caña silba una huella
y la huella se pierde, Juanito en ella.
Si Juanito Laguna le presta un sueño
es el canto que sube hasta su dueño.
Es un ojo en el aire, es carta y sobre:
Barrilete Laguna, Juanito Pobre.
Si Juanito Laguna sueña conmigo
volveré en barrilete para mi amigo."

Lua Peregrina

 
 
 
 
 
 
 
 
Um silêncio me persegue e me tira da concentração do dia, levando-me ao luar. Deito sobre o tapete e a grama. Tudo silencia em um sorriso dentro em mim, vejo pássaros se recolhendo para a mata escura, lá na montanha soberanamente íntegra em si mesma. Seu barulho de águas correntes, essas que nunca secam a fonte.
O céu já distante do sol reflete sua derradeira luz em tons lunares azuis, cinzas, róseos, laranja, dourado... e o pintor das tardes me arrebata em emoção e parece tingir a áurea daquele dia. Reverencio a lua e sua força, os vegetais que a ela parecem dedicar sua dança numa busca constante pelos astros.
Até que o pano de fundo desta tela se escurece em serenidade, e os grilos cravam seus sons em furos e pontos de luz, vindos de um lugar longínquo rompendo a luz do dia, até estarem ali as emoções profundas da lua peregrina de constelações, habitando em escorpião.
 
Acerca da lua em escorpião em todo mês de agosto