sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Vital

Não há chances de parar
O abrir do dia
paralisar o momento da curva do sol
nestes entre-mundos
entre luz e sombra
as incertezas vagueiam como folhas ao vento
e ainda aqui estão os sonhos
despertos para a manhã
tão longe dos caminhos traçados
tão perto de chegar
e a espera não resiste
nas palavras vazias
nos ocos potes
que reduz-se ao nada
morre e desfaz nesta atividade da vida
quando se retira a vitalidade
e a matéria retorna à sua primária condição
disforme
inerte e mineralizada, como pedras silicatadas
ou pedras avermelhadas, cor de ferro
mas, se ainda existe a vida
este elemento vital, que cresce
que pode ser podado, mas retorna a brotar
e ainda, como o sangue nas veias
aquecido pelo fogo oculto
da experiência do sentido
no mistério da vida
recorro a mim mesma
para o inexplicável da existência
deste imponderável
que é o tempo e a vida,
das coisas vivas.
e não se reduzem às vontades
estes organismos complexos
que se auto recriam instante a instante
para a vida que rodeia
o importante e o real.
mas, para ela
nem mesmo a morte
nem mesmo ignorá-la.

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Toccata et fugue







Nada muda.
Nem as estações, nem os ciclos, ou os dias.
Tudo permanecerá igual,
Em sua novidade.
São os anos em que chove demasiado,...
ou as secas prolongadas...
Mas inda estão lá:
as estações, os ciclos, ou os dias.
E há o instante,
eterno instante!
Neste segundo de areia em ampulheta,
Grão a grão.
Onde num momento fotográfico,
mora o eterno.
Aprisionado tempo!
Que não volta mais.
Mas, à distância do olhar,
de tantas coisas estáveis,
ouço a vida cantando de novo.
E há uma orquestra, tocando cadenciada
Um ritmo existente nas coisas viventes
Pulsante ao amor do sol.

sábado, 30 de agosto de 2014

Floração






Foto: Goethea cauliflora



apesar do sol, que me tira da cama
me põe uma rotina
me lança sem amor
na saída de sua presença
das palavras breves
do suspiro pleno
nesta ausência tua que nos sabe

no corpo e no delírio
na voz e no vento
seja como o derradeiro inverno
desfolhando verde novo
o broto, e a espera rompe o crivo
saber que está perto
é o meu único alento


quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Microcosmo

 
 


Foto:Umbela de cañaheja (Thapsia villosa)



Quando em vez fico cavando a origem dos sonhos,
o lugar que habita tão dentro de mim.
 
Procuro, fatigada e cansada
por não ter mais fim.
 
Mas então, quando longe da razão
chego a outro lugar, encontro-te enfim.
 
Onde outro Amado não mais traduz
senão as estrelas, todo o infinito, neste jardim. 

Juanito Laguna












Quando em viagem deixei a floresta úmida do litoral norte do Paraná e cruzei fronteira em Argentina, passando por suas montanhas de siete colores, pedras e aridez do caminho até adentrar a fronteira boliviana onde havia uma foto enquadrada de Evo Morales, como quem olha soberano, por sua feição indígena e com seus broches de comandante.  Num velho ônibus empoeirado, subimos uma daquelas consideradas a pior estrada do mundo, com um precipício à esquerda, a subida da cordilheira andina. Secura e ar empoeirado nas roupas coloridas das mamitas, llamas e construções de barro, cactos e pedras, até às alturas do Deserto de Sal em Uyuni. Uma paisagem de estranhamento pitoresco com seus flamingos, águas quentes e vulcões num chão de sal à perder-se de vista.
Lá onde, em outros tempos minerava-se ouro, um serrano caudal, o trem que levaria ao Lago Titicaca.
Através das águas salgadas do lago a 3800mts de altitude, chegaria à isla del sol que me acolheria por um ciclo de luas. Foi numa de suas praias desertas, onde só havia uma casa, uma escrivaninha onde dentro morava sozinho um exemplar espanhol amarelado da Odisséia de Homero, e a imensidão azul do lago mesclando-se com o céu. Lá onde um índio passava ao fim das tardes tocando seu saxofone a recolher a criação de ovelhas, nesta ilha conheci Juanito. Que poderia ser o personagem da música que me acompanhou por todo percurso, e enfim, se apresentar Juanito Laguna. Contou as histórias do lago e seus mistérios, as lendas e glórias. O ouro e o sol. O lago e as inundações. O povo seu massacre...
Mas agora de volta, Juanito soprado no vento da memória! Ele: Juanito Laguna. Meu amigo tecelão, a quem histórias eu dedico.

"Con el viento la caña silba una huella
y la huella se pierde, Juanito en ella.
Si Juanito Laguna le presta un sueño
es el canto que sube hasta su dueño.
Es un ojo en el aire, es carta y sobre:
Barrilete Laguna, Juanito Pobre.
Si Juanito Laguna sueña conmigo
volveré en barrilete para mi amigo."

Lua Peregrina

 
 
 
 
 
 
 
 
Um silêncio me persegue e me tira da concentração do dia, levando-me ao luar. Deito sobre o tapete e a grama. Tudo silencia em um sorriso dentro em mim, vejo pássaros se recolhendo para a mata escura, lá na montanha soberanamente íntegra em si mesma. Seu barulho de águas correntes, essas que nunca secam a fonte.
O céu já distante do sol reflete sua derradeira luz em tons lunares azuis, cinzas, róseos, laranja, dourado... e o pintor das tardes me arrebata em emoção e parece tingir a áurea daquele dia. Reverencio a lua e sua força, os vegetais que a ela parecem dedicar sua dança numa busca constante pelos astros.
Até que o pano de fundo desta tela se escurece em serenidade, e os grilos cravam seus sons em furos e pontos de luz, vindos de um lugar longínquo rompendo a luz do dia, até estarem ali as emoções profundas da lua peregrina de constelações, habitando em escorpião.
 
Acerca da lua em escorpião em todo mês de agosto

sábado, 26 de julho de 2014

Aguadeiro










Quando chove na serra as plantas parecem entrar em estado de latência vegetal, é como se tirassem o dia em contemplação meditativa e neste ar úmido, das brumas beijando suas copas, se nutrissem da vitalidade do ciclo da terra.
Uma hora líquida, outra vaporizada, a água flui, abaixando o pó da estrada, formando poças ou enredando os caminhos, chegando nos rios, mergulhando no mar...
Quando precipitada parece brincar de tambor com a superfície, faz música no telhado, rola de folha em folha, dissolve-se no chão...
chove
chuvisca
chuvão
tem hora que o céu chamusca de pingo.



sexta-feira, 18 de julho de 2014

Cantiga fiandeira




 
 
Tecelã nas ruas de Cusco, no Peru


 
 
 
Passam por linhas fiandeiras
As histórias das vidas
São um sobe e desce
São desenhos, são colores
Lá estão os amores
E também as dores
Nas gerações, no tempo
Andando nas formas
Fazendo caminhos
Mesclando tesouros
A tecelã antiga
Sua interminável colcha
Senhora dos tempos
Irmã livre do agouro
Fia, fiandeira
Ensinando as meninas
A estarem unidas
Ao fio da vida


 
 

terça-feira, 8 de julho de 2014

Luz Dourada

 
 
 
 
 
 
 
Meiga e cálida paisagem
que os bois viram-se a contemplar
com seus corpos pesados
deitados na pastagem
e feitos de capim

iluminando a curva do sol
o contorno das montanhas
e as brincadeiras de pássaros como um abraço
no rasante, no cântico e nas asas

a emoção contida num dia nascendo
numa explosão de sementes
a garantir de novo a vida
tingindo como aquarela
do espectro e da luz
 
d'um instante, estar presente
no silêncio
dos ciclos, nos tempos
seus ritmos e nada mais.



Foto: Nat Mancini, em Sítio Matutu.





segunda-feira, 16 de junho de 2014

Lírica


 
 
 






Não posso chegar à beira do sentimento,
naquilo que vive em latência e amor da vida construída.
Mas, posso chegar aos limites do meu sentido
a olhar pelos caminhos percorridos.

E perceber que a causa das coisas
são muito além que a causa das coisas,
e que nas divagações do pensamento
estão a leveza da pena e o tinteiro.

Tem na melodia que abarca este espaço,
amplo em seu silencio,
a memória de um tempo não vivido.
Preenchido com a acústica dos instrumentos.


Tempo este talvez mais calmo.
Sem trombetas e cavalos cavalgando, nas auroras flamejantes,
mas com a calma daqueles que caminham pelos prados
ainda sabendo-se quem se é.

Tenho em mim um tempo,
e muitos outros,
que me espreitam nas frestas dos dias,
e me acolhem na intimidade da noite.

Como um lençol branco tem em si
a ternura das nuvens,
abraçando o corpo cansado de um dia.

Em algum lugar, um tempo amanhece.
Em algum lugar, a boca da noite sonha em lírios.
Até derivar-se em si mesmo,
Num tempo indissoluto.





segunda-feira, 2 de junho de 2014

ocultado

 
 
 


Saint Panteleimon the Healer 1916. Nicholas Roerich





O dia amanhece como se fosse tarde
Como se tardio o compasso do coração
estremecesse como o cair das folhas na serenidade do lago

um dia clareia as frestas das matas
como quem olha de baixo o sol se movendo
sem poder acompanhar sua rota
apenas a parca entrada da luz que as folhas
deixam entrar com a dança dos ventos

até o instante em que a atividade
e o sopro forte do pensamento
faça da deciduidade seu ponto máximo
de entrada de luz
ao solo sonolento

e os veios d'agua mais secos que outrora
façam do sentimento não mais a estiagem da espera

como o passeio calmo do gado sob as estrelas
nas trilhas enluaradas
saciando a sede no reflexo do lago

a chover no inverno
destes dias inusitados.


terça-feira, 27 de maio de 2014

Semente


 
 
 




chuva beijando a terra
no decorrer destes dias
o porvir
cânticos de cristais de gelo
pousado no orvalho das manhãs
e as sementes que diariamente colocas ao chão
rompendo silentes o ventre da terra
para vencerem o frio na obscuridade do solo
cuido das roseiras
adorno nossa mesa
e sonhamos e despertamos até que finde a vela acesa
até a próxima aurora dos dias quentes.






quinta-feira, 15 de maio de 2014

Madorna







Doce vizinho do bosque recorrido
Paralisado inteiro diante da passagem
a meio tom de minha voz
e sentidos

A conversa toda antes dita
como quem sabe naufragadamente
os destinos da navegação
ante ao mar do desconhecido

intercede a resposta dos escritos
todos lidos
lançados em garrafas por praias desabitadas
o coração jovem prometido

a limitar esse mar
uma linha de horizonte que se proclama finito.


Imagem: Gregory Colbert - Ashes and Snow Project.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Peregrinos






Passeias só
com os teus passos a ecoar
ampliando teu silêncio
tira de minha voz a palavra nunca dita
a leveza do ser
em todas as suas realidades internas
seus mundos desdobrando
na mesa posta do altar
róseo cristal
sem saber da impermanência dos dias
que findavam na ampulheta
e da matéria que metamorfoseia
tirando todos esses conflitos
do que poderia ter sido
ou como tê-lo dito
um carinho sem fim
despede por nossas mãos
um só ser
eu e você.

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Das Gerais

Dia dando lugar a noite
Vento anunciando chuva
Nuvens desenhando no céu
Texturas, cores
uma única estrela refletindo luz
seu brilho não pisca
correndo o céu, um ciclo ao redor do sol
passando lentamente pelas constelações
ela está no meio de escorpião.
...
Acendendo o fogão
estalando a lenha
a piúca, o bambu, a candeia
cheiro bom na cozinha inteira
o aconchego do calor
bolo de passas, chá do quintal
lembrança da infância
nos céus, nas cozinhas
das Gerais.
 
Acerca da conjunção vênus-escorpião em 27/10/13

Caminho

 
 
 
 
 

Vale do Garrafão - Alagoa/MG
Foto: Rogério Entringer





Falo em repulsa àqueles que
por ganância ou procura
fundaram novas terras
àqueles que por desamor e egoísmo
separaram fronteiras

Falo em aflição às distâncias que
não conhecem os caminhos do coração
Em compaixão àqueles que
por território travaram guerras e
sacrificaram saudades

À besta fera que insiste em fazer-nos pensar
nas penúrias do mundo
e menos na natureza exalando a beleza
e a unidade

Na ilusão que faz delatar
a nossa distância
mesmo no quanto podes estar presente
ainda que eu não toque seu rosto
e num abraço ainda não encontramos
o mesmo caminho.

quinta-feira, 20 de março de 2014

Instante e memória












Aquele conforto indizível
que traz o aconchego da casa
a sopa quente, o coração
tocam melodias dos tempos

Daquilo que pousa suave na memória
no calor materno
da infância bem nutrida
de um amor, irmãos

a vida se recria
através do calor de nossas mãos
dia a dia se refazendo
num amor macio
o mesmo pão.

terça-feira, 11 de março de 2014

Construções











Absorto em pensamentos
Pensamentos que pensam
em pensamentos
Como uma cobra que
morde o próprio rabo
num constante sem fim
Construo mil castelos
feitos de areia
incontáveis
Faço questão que sejam assim!
E deixo-os descobertos ao vento
para que os levem e desfaçam
grão a grão
espalhando em nuvens de poeira
desvanecendo construções
e os pensamentos vãos
do que fica permanece
edificado e solidado
meu centro e essa amplidão.




Conversas noturnas















Lancei mão das vontades
como cinzas sopradas aos quatro ventos
Alcancei breve o relâmpago
ao encontro de algum ponto alto
para unir o terreno às nuvens

Da janela, inúmeras estrelas cintilantes
céu aberto são vivos pontos gélidos
Aquecem aqui o meu coração
estrelas e labaredas
viventes nas lareiras

E contaram-me em segredo
o olhar o mundo com olhos de estrelas
aspirando ao mais elevado
agir cá embaixo

Acordei desnorteada
De que garantias à minha lucidez
deve conversar lá no alto?

.


Foto: Chadas Mirach Ustuntas.


segunda-feira, 3 de março de 2014

Trava Línguas

Macarrão, camarão, caramujo
Marramujo, caramão, macarrujo
Camarujo, caramujo, camarrão


quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Efímera

 




Así que tanto más
se vive,
más se muere
todos los días.
 
 
Por la muerte de Paco de Lucía.




 
 
 

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Inquietação

A sair da cama
Que me possuem as letras
As imagens e os pensamentos
Cravados na insônia
Na continuação daquilo
Que me prende em sentimento
Em entendimento do mundo
Pois que sem sentir, não se pode abarcar
Pois que do silêncio emerge
Aquilo que é primário
De que outra forma poderia ser?
Recorro àquilo que me persegue
Nos livros, na filosofia
Na vida
Diante do que me significa
Que edifica as paredes do imaginário
O mítico
Arquetípico
Eu me pergunto e vejo
Pelos olhos de dentro
Ainda que bem vivo.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Os enigmas

Lacrado, meticulosamente selado
a sete chaves, não revela
de todas as leis 
que a natureza pôde conceber
miseravelmente se consegue abarcar
e falado em silêncio
em preces noturnas
sussurram em uníssono
poesias e cânticos cerúleos
nos conventos, nos mosteiros
copiosamente
os passos vazios
nos amplos corredores
que o homem de certo perdeu
em labaredas, em cinzas
em fogueira
num tempo que sequer vivemos
a contradizer pagãos.


Foto: Ruinas, Biblioteca de Alexandria.


quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Da janela

Caixotes
Acendem e apagam luzes
Entre alturas
Antenas, vidros
...retas formas...
Não vos cabe a planura dos pastos
Nem em teu ultimo andar!
Nem podes ver a amplidão das estepes
Contidos, irresolutos, nulos
Suas plantas: plástico.
Seus contornos: retos.
Valei-me!
Que mente vos projetaram?
Destas calculistas, analistas?
Não vejo teu sentimento
Nem nas cores de tuas mulheres.

...vem vê que a lua já é plena
E da janela da mente que abres
Ela ainda vos clareia.